quinta-feira, 14 de outubro de 2010

TEMPO E LIBERDADE

TEMPO E LIBERDADE
Nazaré, 06-07-1968

Andei por todo o mundo
Em busca de algo que nunca vi,
Algo que nunca tive
Mas, que desejava.
Nada encontrei, exceto abismos.
Nem sei bem o que procurava.
Talvez o infinito,
Talvez a verdade,
Talvez eu mesmo,
Talvez a liberdade,
Talvez o amor.

A liberdade é como o tempo.
Quanto mais a queremos, menos a temos.
É também como os peixes,
Quando estão presos na rede
E quanto mais tentam sair, mais se embaraçam.
Não sei o que queria. Eu queria a liberdade
Mas, não tinha tempo para procurá-la.
Se a liberdade depende do tempo
Não existe nem tempo nem liberdade.
Qual a liberdade do tempo? E o tempo da liberdade?
Para que haja liberdade é preciso libertar o tempo.
Para que haja tempo é preciso libertar o homem.
É preciso dar tempo ao homem
Para protestar pró-liberdade.
Para protestar contra a falta de tempo
E ter tempo para protestar
Contra a falta de liberdade.

REVOLTA

REVOLTA
Nazaré, 04-12-1968

Aqui eu escrevo, todas as minhas desgraças
De toda a minha vida passada, presente, futura.
Odeio a todos e gosto de todos.
Mato por todos, sofro por todos e vivo por todos.

Olho-me no espelho e verifico com surpresa!
Eu não sou eu.
Eu não sou o eu que me era antigamente.
Não sou mais quem eu pensava quem eu era.
Estava mais arisco ou talvez, mais calmo.
Não sei me identificar, pois dentro do espelho
Só o que não modificou em mim, foi o meu nome.

Quem me dera que eu voltasse a ser,
O que não era futuramente.

Eu apenas não quero ser o que ainda serei;
Um eterno felizardo.
Eu quero é sofrer. Sofrer!
Até a hora de perecer
E voltar a ser
O que ninguém pretende ser.
Onde ninguém pretende estar.
Um lugar tão quente, tão sufocante.
Sufocante como um abraço
Quente como um beijo.

PROMOTORES DA DESGRAÇA

PROMOTORES DA DESGRAÇA
Salvador, 08-02-1979

O torturador insano,
Provoca a dor,
Sorri friamente
Para a vítima indefesa.
Tem seu nome protegido.
Então começa a cumprir
Sua nefasta missão.
Defender o Brasil
Contra a ameaça comunista.
Porque ele tem tanto medo dos comunistas?
São apenas a ínfima minoria.

No ambiente mofado
Sente-se um cheiro de maconha.
Sente-se que tudo está podre e baixo.

Colocam o cientista, brutalmente
Submisso num pau-de-arara,
E introduz em seu ânus
Algo que a vítima não vê.

De repente o ar é cortado
Com um grito de loucura,
Seguido de uma gargalhada
Cínica e estridente.

Seria o torturador um ser humano,
Ou o ser humano, um torturador?

Onde se escondem esses trastes,
Frios capachos do poder
Militarista e imperialista?

Serão os futuros milionários?
Talvez, se não ficarem loucos... também.
Pelo fato de não terem alma,
É que atingem com violência
A alma do ser humano.

São paus mandados do poder,
Que não ouvem os apelos
Dos pobres desgraçados,
E lhes atingem a alma
Para sempre.
Sempre.

Logo larga o cientista
E vai atender uma mulher.
Ela, profissional de saúde.
O torturador, também.
Ele, em sua sanha sanguinária;
Ela, em sua fúria desgraçada;
Ele obedece uma ordem ignóbil;
Ela reclama uma ordem lógica.
Ela é tudo,
Ele é nada.
Sem ligar para seus pensamentos
Ele se pôs a trabalhar.
Deu-lhe um forte bofetão, incisivo,
Sem saber com ódio de que?
E lhe quebrou os molares.
Chamou-lhe de puta e vagabunda,
Comunista e subversiva.
E mordeu-lhe os lábios,
E se deliciou com o sangue,
E zombou do sofrimento.
Ela, gritando;
Ele, conduzindo.

Ele mandava no mundo. Era amigo dos caras.
De repente ela gritou:
Eu não falo!
Você falou!
E ela disse:
Não o que você quer!
Ele disse:
Eu quero o seu sangue!
Ela disse:
Acendam o lampião
Que eu nada enxergo.
Puta enxerga de longe!
Disse ele na sua demência.
É a escoria da sociedade.
Logo acendeu o lampião
E depois ateou fogo
À pobre infeliz,
Que gritava sem parar,
Até que parou e morreu feliz
Por conseguir não falar.
Quando terminou de trabalhar a mercadoria
Morta e toda queimada,
O homem do governo
Foi atender um velho
Com seus oitenta anos.
Como o velho não aceitou
Denunciar o próprio filho,
Foi parar no pau-de-arara,
Do qual jamais sairia vivo.

Logo foi atender outra mulher
Que cuspiu-lhe o rosto.
Por isso foi torturada
Com choques elétricos,
Diante do próprio filho,

Apenas uma criança
De apenas dez anos.
Ao primeiro grito de horror,
Seu pequeno filho
Avançou para o torturador.
Logo recebeu um chute
Na altura do ouvido
E caiu tremulo, silencioso.
Não satisfeito, o torturador
Pegou uma barra de ferro,
E com um golpe raivoso
Acabou matando a criança,
Que babava sangue,
Enquanto ele espumava de raiva.
Então a mãe em prantos, pediu:
Me mate também!
E o torturador respondeu:
Não! Você vai falar!
Vai ficar viva até falar!
Depois eu lhe mato
E lhe arranco o coração!
Logo o torturador
Aplicou-lhe um choque elétrico.
Sua intensidade foi tanta
Que sua alma se arremessou,
E ela morreu sufocada.
E parou de sofrer.
Depois o torturador
Disse a todos os presentes,
Que iria para outro lugar
Dar aulas de torturas,
Por ordem direta de Médici.
Lá chegando, os outros irracionais
O olharam com orgulho.

Logo começou a sessão:
No pau-de-arara, uma adolescente
Com apenas quinze anos,
Completamente despida.
Um aluno levantou-se,
E queria participar de perto
Da macabra sessão.
O profissional de saúde
Elogiou sua iniciativa.
Quando o torturador
Deu o primeiro choque na moça,
O aluno disse:
Deixe que eu a estupre antes,
Essa puta comunista.
É toda sua.
Se acertar fazer as coisas
Vai ser promovido, imediatamente.
O aluno violentou a moça
Que gritava sem parar.
Ao terminar o estupro,
Pegou um bastão elétrico
E enfiou em sua vagina,
Com grande violência.
Ele descobriu que o torturador
Era impotente sexual.
Todos o aplaudiram,
E o rapaz foi promovido.
E o torturador disse:
O Brasil está orgulhoso de você.

Sempre haverá tortura
Sempre haverá desgraça.
Sempre haverá império.

POR QUEM LUTAR

POR QUEM LUTAR
Belo Horizonte, 18-12-1976

Às vezes tento gritar, mas nunca consigo.
São os monstros que se aproximam,
Prometendo ironicamente uma nova desgraça.
Não sei se aumento a voz,
Não sei se aumento a noite,
Não sei se faço aparecer
Os claros raios solares,
Para que tudo aquilo
Esteja aos olhos de todos.

Talvez um dia me cale.
Talvez quando morrer,
Talvez quando vencer,
Mas fugir, não fujo não.
Coragem não me falta para enfrentar,
Frieza não me falta para observar,
O importante para mim
É ainda estar vivo,
Porque a vida é uma luta,
Para quem luta por ela.

Um dia aumentarei o sol,
Também aumentarei a lua
Para que todos vejam,
E também possam saber
Porque eu estou lutando.
O importante na luta fria
É manter-se cauteloso.
O importante na luta quente
É mostrar-se perigoso.
E vencer

ORGÃOS DA REPRESSÃO-CARENCIA DOS SENTIDOS

ORGÃOS DA REPRESSÃO-CARENCIA DOS SENTIDOS
Nazaré, 26-08-1994

O povo assiste aos novos (velhos) jornalistas,
Com sua malversação dos fatos,
Enlouquecendo os intelectuais e idiotizando as massas...
(falta de visão) MÃOS ÀS ARMAS.

Os capitalistas deturpam a História e impede que o povo
Conheça a luta dos autênticos: Fidel, Bolívar, Che, Zapata.
(falta de audição) MÃOS ÀS ARMAS.

Os continentes africano e americano,
Velhas colônias do imperialismo
Passam fome e humilhações,
Desde sempre até agora.
Passou pela II guerra
Que a URSS venceu para os EUA explorar.
(falta de visão) MÃOS ÀS ARMAS.

Hoje os esquerdistas são mais inexperientes ainda,
Legalizando as ações da direita nas eleições fraudulentas.
Seria a tal modernidade?
(falta de olfato) MÃOS ÀS ARMAS.

Cuidado srs. Políticos de direita e de cuidados
Quando o povo enfurecido pela fome
Começar a fazer sua própria revolução,
Sem líder e sem quartel.
Vão derrubar as ditaduras surdas e sem visão,
Sem tato e sem audição.
Isso porque o povo enfurecido perde o olfato.
Não existe paz sem guerra.
Existem dois mundos dentro do país
Um dos exploradores e outro dos desgraçados.
Exploradores são aqueles que comem,

Desgraçados são aqueles que servem.
MÃOS ÀS ARMAS

A repressão armada está fora de moda.
Usa-se um cerco econômico e psicológico,
Miserável e covarde
Atingindo em primeiro lugar, as mulheres
Para que não produzam mais crianças
E os homens para que não defendam suas mulheres...
E os negros.
MÃOS ÀS ARMAS

Os candidatos da repressão surda,
Apoiados pela esquerda cega
Ditam as ordens por quatro anos,
Matando o povo sem paladar.
Depois entra em ação seu excesso de visão
E lhes fornece um mísero pedaço de esperança.
O povo, na sua falta de tato, agradece em forma de voto
Ao arrecadador de suas míseras economias...
Mais uma vez.
(falta de tato) MÃOS ÀS ARMAS

Aves de rapina infiltram-se no pano de fundo
Do cenário esquerdista,
Facilitado por organizações desunidas e inchadas. Azar?
Existe isso? Não seria incompetência dos falsos líderes?
Sim. Venderam a alma ao Diabo.
(falta de visão) MÃOS ÀS ARMAS

Sindicatos e organizações de esquerda?, lançam jornais,
Boletins, panfletos, para justificar os gastos
Do dinheiro dos associados.
Porque não lançam bombas, balas e granadas?
A justificativa seria dispensável. Nunca mais pediríamos
Uma mísera migalha ao patrão.

(falta de olfato) MÃOS ÀS ARMAS.

Ah! Já ia me esquecendo dos puxa-sacos (invenção inglesa
da segunda metade do século XIX na guerra do Paraguai).
Como funciona um puxa-saco? É mais ou menos assim:
O patrão impede que você estude e se forme.
Quando você cresce, ele lhe arranja
Um emprego de salário mínimo,
Para que seu filho também não estude.
Seu filho já é você amanhã...
E você ainda agradece ao fabricante de puxa-sacos...
E se conforma... diz que Deus quem quis assim.
Assunto curioso esse dos puxa-sacos, não é?
Quem sou eu para estudá-lo a fundo?
Só com a ajuda de um psiquiatra.
Falando ainda sobre os puxa-sacos,
São pobres diabos explorados pelos donos do poder.
É só o que ambos sabem fazer.
(falta de visão) MÃOS ÀS ARMAS

Inventaram a agiotagem internacional
Como forma mais eficiente de destruir os povos.
(genocídio cego, surdo e mudo)
Os corruptos se deliciam tomando dinheiro
Na mão dos seus senhores,
E o povo paga a conta com a vida
E com sua falta de visão, audição, paladar, olfato e tato.
(falta de todos os órgãos dos sentidos) MÃOS ÀS ARMAS

Cristo foi o primeiro comunista.
Quem será o segundo Marx do terceiro milênio,
Para derrubar a ditadura moderna
Da agiotagem internacional?

Revolucionários de todo o mundo!
VEJAM, OUÇAM, PROVEM, CHEIREM E PEGUEM...

DESCUBRAM...só se conquista a paz
Fazendo guerra aos que não querem paz.
Vamos educar nossas crianças?

O PROFESSOR CAMPONÊS

O PROFESSOR CAMPONÊS
Nazaré, 30-01-1974

Certa vez,
Caminhando pela estrada
Em meio à neblina,
Senti-me outro homem.

Fazia um frio terrível.
Eu me sentia estranho,
Eu não era eu,
Talvez existisse outro eu
Que em mim se manifestou
Durante aquele momento.
Eu não me reconhecia.

Não mudei para bom
E muito menos para mal.
Talvez a síntese dos dois.

Pensei em liberdade.
Porque a liberdade
Custa tão caro?
Às vezes pensava em gritar.
Gritar no meio do nada
Mas, não me era possível,
Todos viriam contra mim.
Tentei me libertar
Do meu próprio eu
E pensei, qual seria meu ideal.
Sempre lutei por ele
Desde essa manhã
Que ainda era criança.
Todos devem lutar
Para defender seu ideal,
Seja ele qual for.

Desde que seja nobre
E beneficie o povo.
E quando tivessem ciência
De sua idéia fixa,
Reuniria todos os homens
E formaria uma síntese
Com a opinião de todos,
E destruiria os dogmas religiosos,
E todo o povo cresceria
Com um único ideal.

Talvez esse ideal
Fosse combatido pelo dogma
Mas, quando o ideal torna-se forte
O dogma mostra sua face oculta.

Continuei andando pela estrada
Sem saber para onde ir.
Uma força fria
Como a neblina reinante
Atraía-me para algo,
Sem eu saber o que.

Resolvi deixar-me levar.
Seria eu quem andava?
Nunca me senti assim.
Era tão estranho...
Era tão indecifrável...
Sei que senti
Mas o que, não sei dizer.

De repente, divisei um homem,
Era um camponês.
Entabulei conversa,
Perguntei quem era ele.
A resposta: um homem comum.

Senti um calafrio na espinha.
Será que aquele homem
Sentia o mesmo que eu?
Mas ele não sabia ler,
Também não sabia escrever.
Depois lembrei-me que ele
Também era humano.
Lembrei-me que ele também
Pensava como eu penso
E como todos pensam.
Reprovei-me mas...
É o costume... é o costume
Da sociedade em que vivo.
É sempre assim.

Pedi-lhe um cigarro,
Ele me ofereceu
Com todo prazer.
Ele também fumou um
Enquanto conversávamos
Sobre os preços que aumentavam,
Sobre sua longa caminhada,
Sobre sua miserável e longa vida.
Conversamos sobre a fome,
Ele me da aulas.
Eu era seu discípulo
E, de tanto eu aprender
Sobre a vida e a morte,
Descobri com assombro e surpresa
Que alguém me compreendia.
Sim! Um camponês!
Talvez o leitor não me compreenda.
Se isso acontecer
Só pode ser de propósito.
Um pobre homem sem letras
Ensinou-me uma parte da vida

Em toda a sua escuridão.
Mostrou-me um caminho claro,
Mostrou-me um ideal.

Um homem quase selvagem
Ensinou-me que eu deveria lutar,
Seja lá com que arma,
Para conseguir o que queria.
E lutei como ele me ensinou,
E venci mais um obstáculo.
Nele encontrei a liberdade,
A liberdade de querer viver.

O PEDREIRO

O PEDREIRO
Nazaré, 25-09-1974

Descalço e sem amparo
Ele sobe os andaimes,
Até chegar ao quarto andar
Ainda em construção.

Chegando, começa o trabalho.
Tijolo sobre tijolo
Até formar as paredes,
Todas em prumos exatos,
Todas niveladas
Formando um eqüilátero,
Para a gloria do engenheiro.

De repente, uma viga se parte
E o trabalho vem abaixo.
Junto, os trabalhadores.
Desce o pedreiro,
Desce o cimento,
Desce o concreto.
A parede foge ao prumo,
O piso foge ao esquadro,
A laje foge ao nível
E tudo está destruído.

Sem que ninguém esperasse,
Sem saber de onde saíram,
Aparecem os fotógrafos e jornalistas.
Muito tempo depois
O corpo de bombeiros,
Os carros de policia,
Câmeras de TV,
Radialistas e curiosos.
Todos para um mesmo fim.

Ver e filmar a desgraça.
Duas horas depois
Do trágico acontecimento,
Fotografado e televisionado,
É que aparece uma ambulância
Em busca de estragados.
Primeiro estava sendo discutido
Quem ia pagar a clinica, pois
O hospital estava lotado.

Ninguém compreende nada.
Todos olham no chão
Um amontoado de tijolos
Misturado com cadáveres,
E dão suas opiniões:
-Embaixo desses tijolos
Deve haver alguém morto.
-O engenheiro disse
Que a culpa foi do pedreiro.
Mas, o que acontece,
É que ninguém tira os tijolos
De sobre os corpos estraçalhados,
E ninguém assume a responsabilidade
De toda aquela desgraça.
Resolveram esperar a perícia para tirar os corpos.

O ESTRANHO

O ESTRANHO
Belo Horizonte, 17-01-1977

Vivia num quarto trancado
Fazendo, ninguém sabe o que?
Talvez flores,
Talvez uma bomba atômica.

Seria um gênio?
Seria um louco?

Ninguém o compreendia.
Quem sabe ele descobriria
A formula da alegria?

Não saía para nada.
Lá dentro, comia.
Lá dentro, digeria.
Ninguém sabe como.

Um dia a porta abriu
E todos correram para ver...
Não havia nada,
Nem ele mesmo.
Provavelmente, ele consumiu-se.

O CAMPONÊS

O CAMPONÊS
Nazaré, 22-09-1974

Todos os dias
É sempre a mesma coisa.
Depois de uma noite de insônia,
Mal dormida e desconfortável,
Sem o direito ou liberdade
De acordar depois das quatro,
Levanta-se o camponês
E vai morto de fome,
Pelas matas a fora
Ganhar dinheiro para o patrão,
Enriquecê-lo mais e mais
Até não poder mais.

Ao escurecer ele volta
Triste e quebrado
Do trabalho intenso,
Do trabalho escravo.
Toma um rápido banho frio,
Vai prestar contas ao patrão,
Vai ganhar seu salário de fome
E volta para casa,
Triste e cabisbaixo,
Nada tendo a dizer
E não podendo nada dizer.

Acostumou-se a ficar calado
E esconder sua miséria,
Com vergonha de ser homem,
E vai dormir com fome,
Sem que os outros saibam
Que ele é triste e miserável.
Vai agora a caminho de casa
Vai curtir sua fome.

Vai sofrer ao deitar-se
Em sua cama de varas.
O seu corpo de ferro
Está costumado com aquilo.

Quando a sirene do patrão
Anuncia as quatro horas,
O camponês se levanta.
Nessa maldita manhã
Ele acorda doente,
Não pode ir trabalhar.
O patrão não perdoa.
O camponês piora,
O camponês falece,
Deixando mulher e filhos
Que são expulsos da fazenda.
O patrão não toma conhecimento,
O juiz não toma conhecimento,
O governo não toma conhecimento.
Para o país
Morreu um rato...
E a vida continua.

MÃE

MÃE
Belo Horizonte, 03-01-1977

Mãe que desgraçadamente alimenta,
Em pleno sol do meio dia
Seu filho de cor, com amor,
Despido do assim exigido
Pela saúde impopular.
O filho chora desesperado
Fazendo chorar a pobre mãe,
Pelo filho sem solução,
Apertando-o ao coração
Num reprimido soluço,
Num soluço sem eco
Que nem Deus dá ouvidos,
Pondo um problema no ar:
É o soluço muito baixo
Ou Deus quem tapou os ouvidos?
A mãe pede ajuda:
Os transeuntes não ouvem.
Será que taparam os ouvidos?
Estão andando como máquinas apressadas,
Cada um para o seu lar
Pois o luxo os aguarda,
E a mãe ali fica
A chorar sua miséria,
Sem ter casa, comida ou razão,
Para oferecer aos outros cinco.
Qual a solução para a tragédia
De uma infeliz mãe,
Que por amor a seus filhos
Flutua na desgraça da vida,
Dando braçadas contra a corrente,
Que é a miséria liquida
De um mar de infelicidades.

ESPERANÇA

ESPERANÇA
Salvador, 04-10-1974

Transpus um arco argentino
E caí num nada.
Um nada abstrato,
Um nada incomum.
Acontece tantas com o homem...

Hesse aceitou o desafio do lobo
Vencendo a si próprio.
Kardek venceu as religiões
Esquivando-se de todas.
Titov venceu o desafio do Vostok
Dando dezessete voltas em órbita da terra.
Gagárin venceu o desafio das religiões:
“Fui ao céu e não vi Deus”
Os japoneses venceram o desafio da bomba A.
Provaram que os EUA não ganharam a guerra.

Quem consertaria o mundo?
Eu? Você? Nós? Eles?
Talvez a educação,
Talvez os filósofos,
Talvez ninguém.

E se o tempo consertar?
Mas o tempo não existe.
Vamos tentar?
É uma esperança...

E se esperarmos e nada vier?
Que fazer?
Vamos lutar?

DE MADRUGADA

DE MADRUGADA
Belo Horizonte, 12-12-1976

No sol da madrugada, eu me encontrei.
Estava tudo calmo, apenas eu chorava
A doce miséria do mundo,
A alegre amargura do homem,
A triste alegria do povo.

Na doce madrugada eu apenas sorria,
Um riso de desprezo por todas as coisas,
Por todos os seres humanos
Que fazem o irmão sofrer.

Na amargurada madrugada eu vi o homem chorar,
Eu senti o homem sofrer.
Tentei diminuir o sofrimento humano,
Mas eu sozinho não podia.
Todos se recusaram a me ajudar.

Pobre homem. Que fazer? Que pensar,
Se todos ficam parados?
E nesse estático momento eu olhei as estrelas.
Elas me ajudariam? Talvez sim. Talvez não.
Mas, elas me olhavam com curiosidade.

E o homem ficou parado,
E o mundo ficou parado,
E passou um homem que ficou a observar
A minha triste angustia.
O homem estava triste,
Triste como eu.
Deveria ser um pensador.

COISAS CÓSMICAS

COISAS CÓSMICAS
Nazaré, 04-04-1974

Numa estupenda noite que não mais parecia ter fim
Houve a explosão de estrelas, explosões irônicas,
Era a Terra a contemplar a Lua
Num amor distante e impossível
Num impetuoso flerte lésbico,
Onde só havia troca de olhares e de esperança.
A Lua queria ir ao encontro da Terra,
Beijá-la e abraçá-la e não pensar nas conseqüências.
As estrela que as observava irônicas,
Uma a piscar o olho e outras a responderem.

O sol com seus olhos de fogo, com sua luz de ouro,
Punha tudo à mostra.
E as duas amantes se desejavam,
Mesmo apesar da distancia que a separavam,
Como uma barreira de cristal, intransponível.

Jupter e Marte apreciavam a cena, sombrios.
Mercúrio estava melancólico, Plutão não menos.
Venus querendo participar, Saturno irava-se de ciúmes
Por não poder construir uma barreira mais sólida.
Mesmo assim ficou alegre ao ver a impossibilidade.

Urano e Netuno divertia-se. Confiavam na intriga
Feita pelas irônicas estrelas,
Daquele amor impossível.
E o espaço mudou sua estrutura mediúnica e espiritual.
E o espaço virou mar,
Um mar muito agitado
Que parecia até o fim do mundo.

COBRANÇA

COBRANÇA
Salvador, 12-09-1979

Queremos os corpos de nossos filhos,
Queremos os corpos de nossos pais,
Queremos os corpos de nossos irmãos.

Queremos os corpos de nossos entes queridos.

Não queremos dinheiro,
Queremos nossa memória
Que a ditadura destruiu,
E continuam a acobertar
As desgraças que nossos entes passaram.
Tentam tapar nossa visão
Com noticias deturpadas.

Mataram nossos filhos,
Mas os crimes hediondos
Ficam sem punição.

Apesar de tudo,
Gente que sofreu
Ajuda a acobertar
Toda a desgraça passada,
Como se fosse coisa do passado.
Para eles é passado,
Mas nós estamos aqui
Até o final da historia,
A cobrar...Cobrar... COBRAR...

AS PORTAS DE UM CORAÇÃO, DE APENAS UM CORAÇÃO

AS PORTAS DE UM CORAÇÃO, DE APENAS
UM CORAÇÃO


Belo Horizonte, 24-12-1976

Vou abrindo as portas
Uma a uma, mas em todas elas
Eu só encontro a tristeza.

Encontro em cada sala
Um grupo de pessoas,
Em cada rosto, uma aflição,
Um congestionamento geral nos olhos,
Lágrimas de tristeza e desesperança.

Nunca encontro quem eu quero.
É a alegria total.
Alegria de encontrar
Uma palavra amiga.

Já transpus montanhas,
Já removi rochedos
Mares e oceanos,
Abrindo sempre as portas
Do meu pobre coração,
Que está despedaçado
De angustia e de tristeza.
Pobre coração...

A SERENIDADE

A SERENIDADE
Nazaré, 07-03-1974

Hoje estou bem calmo,
Estou sereno.
Nada vi de mal,
Até que enfim! Que milagre!
Estou completamente
Anestesiado pela música.
Estou voando por que
Estou ouvindo Tchaikowsky.
Mas, eis que de repente
Uma nota musical
Me traz à realidade.
Tomei um grande susto.
Tchaikowsky é assim mesmo.
Nevin nos proporciona
Grande serenidade também
Com o seu lindo Rosário.
Tchaikowsky nos sobressalta
Com os seus repentes revolucionários,
Mas também nos dá paz.
Pelo menos, neste momento
Que estou em relaxamento.
Ele também é profundo.
Tocou só para mim.
Também Nevin
Fez a mesma coisa.
Agradeço aos dois
Por ter-me feito feliz.
Que seria do mundo
Se não houvesse a música?
Seria só a musica seca
E assassina das metralhadoras.
É claro que sim, infelizmente.
Não haveria de ser outra

Quando o homem
Está em pleno campo de batalha,
Se ele lembrar-se da música,
Lembrar que existe o clássico,
E se por acaso ele ouvir
Mesmo trazida pelo vento,
Ele desiste de matar.
Deixa de ser máquina,
Passa a ser humano,
Passa a ser piedoso.

A PÁTRIA CHORA

A PÁTRIA CHORA
Nazaré, 15-02-2001

Eu sou um cidadão do pobre terceiro mundo,
Que conspira pela paz.
Mas contaminaram o sangue do povo
Com o nojento capitalismo.
Mesmo os inteligentes
Transformaram-se em neoliberais,
Ficaram selvagens
Como um bando de americanos,
Com suas caras felizes e imbecis,
Pensando que o país é seu também.
Um latifundiário separa
Uma pequena área improdutiva, para fazer
Um cemitério de trabalhadores rurais,
Que são escravizados em vida,
Achando que com isso
Ganhou a chave do céu.
Os governantes com seus sorrisos cínicos
Olham para baixo, para nós,
E não se sentem culpados,
Porque são elogiados pelos ignorantes.
Vai em frente, Presidente! Vai em frente assassino!
Só não se esqueça de cobrir as pegadas,
Porque os próprios imperialistas
Farão o seu descarte,
Quando não precisar mais de você.
Cobre tuas pegadas
De servidão e submissão ao sistema,
Para que teus netos
Não sintam vergonha de ti.
Tudo que é grande e proveitoso,
Só se constrói com trabalho e sangue.

A ARMA NOSSA DE CADA DIA

A ARMA NOSSA DE CADA DIA
Nazaré, 01-07-1995

O poeta está armado...
Disse ele empunhando uma caneta.
O pintor está armado...
Disse ele empunhando um pincel.
A policia está armada...
Disseram eles, combatendo o povo.
Chegou a tropa de choque, abrilhantando a desgraça.
O camponês está armado...
Disse ele empunhando uma foice.
O operário está armado...
Disse ele empunhando um martelo.
O povo está armado...
Disseram eles de encontro à esperança.
O governo está armado...
Disseram eles promovendo o terror.
A desgraça brilha na praça.
O povo de encontro à desgraça.
E a desgraça brilha... na praça.

VIDA
Nazaré, 12-07-1999

Estava tudo seco.
Os homens, os bichos e as plantas.
Todos morrendo de sede.
De repente, nuvens pesadas
Desabaram sobre o sertão.

E a chuva caiu
E a terra pariu
O seu hino de amor.

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